Sintra

Tributo Humílimo

Jornal de Sintra, de 2 de Outubro o p. p. deu-me uma notícia menos boa. Mestre Ernesto Neves faleceu. Para sua família profundas e sentidas condolências, mas perdoem-me, para mim o ilustre artista só fisicamente desapareceu! Quem deixa amor, lastro e obra morre?

– Não! Nunca!!

Habituei-me a olhar para ver as suas pinturas há largos anos. Foi tocado pela mão de Deus... vejam caros leitores do Jornal de Sintra, os quatro grandes painéis à entrada, à esquerda – na Biblioteca Municipal de Sintra - Casa Mantero – e confirmem. Estão lá todos os ex-líbris de Sintra - Terra do Mundo: Palácio Nacional de Sintra, Palácio Nacional da Pena, Castelo dos Mouros, Quinta da Regaleira, Palácio de Monserrate, Palácio de Seteais e trecho da Vila de Sintra.

Parece que os Monumentos estão empoleirados em relevo! Tudo está entrelaçado.

Onde se encontram há um casamento feliz!, sendo as pinturas poderosas, a Biblioteca Municipal, como fonte ilimitada de sabores e saberes... é poderosíssima.

Há luas vi o Mestre no Roseiral – S. Pedro de Sintra – estendi-lhe a mão e atirei:
– Que nunca lhe doa a inspiração!, e a sua mão!
– Então...
– Desejo-lhe Mestre Ernesto Neves, que pinte, pinte até que nunca lhe acabe a vontade de criar!
Sorriu e fez ligeiro assentimento com a cabeça de cabelos com fios de prata e dentes de iluminar.
– Saiba que também me ensina a pintar...
– Como assim?
– Frequentei a escola de Artes Decorativas António de Arroio, e, vendo tanta Arte saída de suas mãos!, vou aperfeiçoando os meus bonecos.
– Logo de manhã, receber um espiche destes... obrigado.

Em Novembro do passado ano, a Galeria do Museu Regional de Sintra – Vila Velha – (vale bem o tempo visitar as suas exposições itinerantes) dedicou o seu espaço ao pintor – “Do outro lado da Máscara”, exposição de pintura e cerâmica. Tomei contacto com a cerâmica pela primeira vez. “Ernesto Neves - As Máscaras do Outro Lado da Máscara (...) pinta a sobrevivência, do outro lado da máscara, retrata o seu próprio retrato e o de figuras intemporais relativamente reconhecíveis, nas quais se projecta, transferindo, das cores do medo e da esperança, para formas estilizadas, simbólicas e caricaturais, (...) o dramatismo autêntico das suas duras e empolgantes vivências, restringidas pela condição humana. O “outro lado da máscara” é (...) o símbolo autêntico de um grito surdo. Um acto transparente... de identificação: a forma prevalecente da assinatura de Ernesto Neves, (...) representando, às escondidas, a genuinidade abstracta duma guerra concreta, pondo lado a lado a sua e a efígie carnal dos espíritos da natureza, de deuses, antepassados, seres sobrenaturais (...).

E terá sido, por certo, algo dessa mística, (...) que fulcralmente, (...), inspirou o vívido contraste que Ernesto Neves estabelece, com o balanço da sua caligrafia (des)comprometida perante o mutismo expressivo das máscaras e dos rostos, ocultos, ou dos vultos, semiperceptíveis pela carga cromática da sua paleta, que escancara as gargalhadas silenciosas e grotescas, das bocas estáticas e dos olhos sem olhar, marcados pelo rictus negligente, automático e rasgado, das marcas com que cada máscara (d)escreve o lado oculto do ensimesmamento, da mágoa mais misteriosa, das saudades do futuro... e da solidão” – José-Luís Ferreira (extracto condensado e adaptado pelo autor, do texto inédito pró-prefácio do catálogo da exposição). Havia na exposição um filme a decorrer com passagens da Vida e Obra de Mestre Ernesto Neves, vi e revi o vídeo e... dou por mim comovido até à emoção. Retornei, também na secreta esperança de dar um Bom Apertão do Mestre. Estava escrito nas estrelas que não seria... ainda.

As pinturas estavam lá bem casadas, a respirar, transpirar,... Apreciação?

– Lindíssimo! Deixei lavrado no Livro de Honra, toda a minha comoção de Alegria. Se não deixei escrito, escrevo agora: Amo a sua Obra! Somos uns cobardes, só fazemos tributos aos Homens, quando estes partem para outras paragens... porquê?

Querido Mestre Ernesto Neves
’stejas onde ‘stiveres
pinta o que quiseres
e não sintas tudo
parado
quando ‘stejas a pintar a pensar/e meditar,
pinta que tudo passa
tua pintura Abraça
tua pintura fica
pinta depressa p’ra Sintra, a
Camélia mais bonita! Gratíssimo.

Bem-Haja. Até sempre.
Até à Eternidade!!
Sintra, 9 de Outubro de 2009

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