Artigo de Opinião

Cimeira do Clima: o essencial e o acessório

Seja qual for o desfecho da Cimeira do Clima, em Copenhaga (esta crónica está a ser escrita durante a negociação do acordo entre Washington e Pequim), uma conclusão pode e deve desde já ser extraída: a iniciativa, ponderados os desaires e as indefinições, foi positiva, por ter colocado o assunto, sem ambiguidades, na agenda política global e por ter confirmado que a chave do problema se encontra em larga medida nas mãos dos Estados Unidos e da China, os dois maiores emissores de gases com efeito de estufa, a larga distância de qualquer outro.

Por sinal, estes dois megapoluidores são também as duas superpotências mundiais, agora que a Rússia, mesmo esforçando-se por recuperar o protagonismo e a influência do tempo da Guerra Fria, desempenha um papel secundário. Quanto à Europa da União, mesmo com os seus quinhentos e tantos milhões de habitantes-cidadãos, não teve nem tem, infelizmente para os europeus, uma acção tão decisiva quanto seria de desejar, apesar de constituir um exemplo claro de boas intenções no que toca à descoberta de soluções para a dinâmica poluidora que ameaça gravemente o futuro do nosso planeta.

É certo que os Estados Unidos, pela boca de Hillary Clinton, anunciaram o propósito de disponibilizarem uma verba de 100 mil milhões de dólares para auxiliarem os países em vias de desenvolvimento no combate ao aquecimento global da Terra. Estes, porém, consideram essa verba insuficiente.

Mas esta ou outras verbas não representam, longe disso, os passos mais urgentes e inadiáveis. E porquê ? Porque a questão fulcral reside na forma como os Estados Unidos e a China, por razões diferentes mas complementares, não se têm mostrados flexíveis quando se trata de tornar o mundo em que vivemos mais habitável e respirável. O primeiro dos países sempre foi o mais despesista e esbanjador de todos em matéria de utilização dos combustíveis e de outras formas de energia, já que, por aí, passa o conceito de bem-estar e de prosperidade da maioria da população. Quem aumentar o preço dos combustíveis arrisca-se a perder o poder. Quanto à China, em fase de consolidação do seu papel de superpotência, precisa de apostar em formas de progresso material que dêem à sua imensa população a ideia de que já vive com qualidade, apesar da fome e das carências básicas que ainda atingem muitas dezenas de milhões de habitantes. Os outros vivem deslumbrados com o novo-riquismo que o selvagem capitalismo de Estado lhes ofereceu como horizonte.

Por outro lado, cada uma das partes tem receio de recuar para não dar à outra sinal de fraqueza ou de capitulação, pois o que está verdadeiramente em causa é a liderança mundial nas próximas décadas.

O problema, no entanto, reside no seguinte: mesmo que ambos queiram demonstrar que têm razão, correm e fazem-nos correr o risco de fazer acabar de forma trágica este mundo em que vivemos. Quem não perceber que esta é a questão central, acabará por não perceber o que verdadeiramente conta e nos põe em causa.



José Jorge Letria

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