PARTE DA EDIÇÃO n.º 3800 de 17/07/2009
Ulgueira/Colares

Uma igreja de portas abertas para o mar


A Ulgueira, aldeia situada na freguesia de Colares, tem como um dos ex-líbris a Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Contudo, este monumento histórico carece de meios que possibilitem a sua conservação e viabilização. Com vista à angariação de fundos, os Amigos da Ulgueira, grupo do qual fazem parte, entre outros, Simonetta Luz Afonso, Katia de Radiguès e Pedro Douwães, organizaram para o próximo dia 25 do corrente, um concerto de música clássica na própria igreja.

Simonetta Luz Afonso, Pedro Douwães e Katia de Radiguès

Sintra é um concelho pejado de tesouros patrimoniais que se vão encontrando por entre a vegetação da serra. Exemplo disso é a pequena aldeia da Ulgueira, na freguesia de Colares, que tem mantido o seu carácter rústico e a sua beleza natural, apesar do crescente desenvolvimento urbanístico que se tem vindo a notar por toda a Sintra.

As ruas pacatas, as moradias adornadas por flores, o comércio local e as suas gentes amistosas, evidenciam um tesouro histórico, que torna interessante esta localidade e faz parar a meio dos seus passeios muitos turistas e curiosos: a igreja da Ulgueira, também designada como Igreja de Nossa Senhora da Conceição.

Esta aldeia não é um ponto de passagem. É aqui que termina a estrada, mas é também aqui que começa uma viagem pela história, num lugar com vista para o mar, de um lado, e para a serra de outro, onde o tempo parece ter parado para deixar o visitante apreciar o património que persiste.

O Jornal de Sintra esteve na igreja, um monumento cujas origens ainda são desconhecidas por falta de documentação que revele o seu mentor e as suas influências, juntamente com três dos precursores que se têm empenhado na conservação e restauração daquele que terá sido, antigamente, o ponto de confluência da aldeia e dos peregrinos que por ali passavam para prestar homenagem a Nossa Senhora da Conceição: Simonetta Luz Afonso, museóloga com fortes raízes em Sintra, tendo sido directora do Palácio da Pena e do Palácio de Queluz, Kátia de Radiguès belga de grande sensibilidade artística que se diz amiga de Portugal, e o engenheiro gestor da obra e habitante local, Pedro Douwães.

De portas bertas para o mar



Os vestígios de humidade e o mau estado da pintura desta capela não conseguem esconder a sua invulgar beleza nem os pequenos tesouros que protege. De acordo com Simonetta Luz Afonso, o primeiro problema deste monumento foi “o desapego da população”, especialmente por se terem deixado de celebrar missas ou outras cerimónias importantes naquela igreja.

No entanto, a vida parece ter regressado àquelas paredes já carcomidas pelo tempo e pelo ar agreste que o vento vai trazendo do mar, que aliás se consegue ver uma vez abertas as portas frontais. Tudo graças ao empenho da população e ao apoio da Câmara Municipal de Sintra. “Este poderia ser um estudo de caso” explica Simonetta Luz Afonso, “como é que
uma aldeia com poucos meios e pouca população se pode envolver na recuperação de um património que é comum”. O esforço em torno da igreja “envolve as pessoas da terra”, mas tem também atraído pessoas de fora.

Desde Julho do ano passado que a vida, não só da igreja, mas também de toda a localidade tem vindo a mudar. “O envolvimento da população é exemplar” comenta a museóloga.


Simonetta Luz Afonso, uma das impulsionadoras do projecto da recuperação e dinamização da igreja

Um grande valor patrimonial
O mistério das suas origens e das características que apresenta remetem para um estudo aprofundado do seu interior, já que o significado de muitos objectos é desconhecido e tem vindo a ser fruto de especulação.

“Estas aldeias eram isoladas, por isso tinham de ter a sua igreja, o seu cemitério, entre outros, e todas estas coisas eram reflexo da dimensão da aldeia”, explica Simonetta Luz Afonso.

Sabe-se que as casas próximas do adro, que agora são de uso particular, eram uma confraria, de albergue de peregrinos de várias procissões de entre elas a de Nossa Senhora da Conceição, a 8 de Dezembro.

As esculturas, já num estado de degradação visível, a abóboda do altar, os castiçais, os azulejos, são marcas de outros tempos. A própria pia de água benta é “fora do vulgar” e demonstra um carácter “esotérico”, e uma das jarras parece conter influências do Renascimento, segundo a museóloga. Uma porta pintada nos azulejos, em frente à porta da sacristia, demonstra uma preocupação estética, a “simetria falsa”, própria do século XVIII e visível em outros monumentos em Mafra. No entanto, todas estas suspeitas carecem de um estudo aprofundado, que esclareça sobre a história deste lugar. “Quem era a grande figura que se interessava por tudo isto? Quem era o dono desta terra?”, questiona Simonetta Luz Afonso.

Concertos de angariação de fundos
Cientes de que são necessários fundos para se reconstituir e viabilizar a igreja, Katia e Simonetta organizaram, em Julho do ano passado, um concerto de música clássica que foi visto por mais de 150 pessoas. Depois do momento musical, os habitantes da Ulgueira ofereceram um jantar que animou a localidade, onde muita da população se mostrou disponível para ajudar nesta causa.

Este ano, a iniciativa repete-se, no dia 25 de Julho às 19h, com o Concerto de Música Ibérica Clássica dos séculos XIX e XX, protagonizado pela soprano Ana Barros e a pianista Joana Barata, e uma prova de vinhos e azeites como forma de convívio. Katia refere que o objectivo é “chamar a atenção das pessoas que moram à volta da igreja e pessoas de fora”, uma vez que “a Ulgueira tem muita coisa para mostrar”.

Estão também para venda cópias livres das gravuras dos azulejos da igreja e foi criada uma conta bancária para os que queiram contribuir para a restauração deste património local. O projecto conta também com o “generoso apoio” da autarquia.

Com os fundos recebidos conta-se fazer diversas obras até Outubro, de entre as quais reparações no telhado, para prevenir infiltrações, e nas janelas.

Todo este movimento em torno do edifício e do que ele representa tem fundamento, uma vez que esta “não é uma aldeia fantasma e tem vida própria, o que lhe dá sustentabilidade”, explica Simonetta Luz Afonso, e é também “bem conservada e há pessoas a viver o ano inteiro, como é o caso de engenheiro, gestor da obra”. E se “até há pouco tempo era difícil cá chegar, a estrada era má, não havia água canalizada e o esgoto foi instalado há pouco tempo”, agora a localidade tem mais condições para receber pessoas de fora e envolver a própria população.

A Ulgueira já é visitada por muitos turistas. No entanto, muitos deles não se apercebem de que o edifício, que tem vindo a sucumbir às intempéries, guarda muitos tesouros, já que este está fechado grande parte do tempo. Recentemente foi colocado na porta um papel com o contacto de alguém que mora nas redondezas e que tem disponibilidade para mostrar o interior da igreja e a vida tem lentamente voltado a mais esta preciosidade patrimonial de Sintra.

Espera-se receber, no próximo dia 25, muitos visitantes que possam contribuir para avivar uma aldeia que alberga um monumento com muita história.

Nota da redacção: Para contribuir para esta causa poderá enviar donativos para a conta bancária dos Amigos da Ulgueira.
Millenium BCP – Colares
Conta nº 45 36 48 33 319
NIB 0033 0000 0000 45366483331905


(clicar para ampliar)


texto: Vanessa Sena Sousa
fotos: Vanessa Sena Sousa e Idalina Grácio

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns à Dra. Simonetta Luz Afonso,à Katia de Radiguès e Pedro Douwães pela iniciativa que tiveram no sentido de angariar fundos para a Igreja da Ulgueira.
Sou nasciso e criado em Sintra e sendo o meu pai, Armando da Piedade Esteves uma pessoa cuja profissão era a de caixeiro-viajante, corria todo o concelho abastecendo com a sua mercadoris aquelas pequenas lojinhas que de tudo vendiam: desde botões a azeite, fechos de correr a farinha, etc. Daí me lembrar muito bem da Ulgueira, local onde, por vezes quando a escola permitia, ia com ele fazer a sua venda. Lembro-me também, e em particular, da Dra. Simonetta que, tanto quanto me recordo, teria uma casa de férias nas Azenhas do Mar e sendo eu miúdo alí passava ferias também com os meus pais e irmãos perto da sua residência, para onde às vezes íamos brincar. Mais tarde, como elemento do Grupo Coral de Queluz, isto já pelos anos 80s, visto ter casado e ter ido morar para Queluz, me recordo do arranque da "Música no Palácio" feita em conjunto com O Palácio Nacional de Queluz, que na altura tinha a Dra. Simonetta Luz afonso como directora.
Bom, se calhar, por minha boa disposição e aptência momentânea para a escrita, me alonguei demasiado nestas considerações mas elas fazem parte da minha memória e, depois de uma certa idade é bom recodermos os momentos que nos fizeram felizes.
Muitos parabéna pela iniciativa e o meu muito obrigado
José Esteves
Queluz