Sintra/Quinta da Regaleira

Sintra é a “casa” da maior colónia de morcegos em vias de extinção



Foi recentemente descoberta, em Sintra, a maior colónia de morcegos-de-ferradura-mediterrânico do país, que se pensava extinta há 19 anos das grutas da Assafora. O Jornal de Sintra esteve na Quinta da Regaleira, onde viu de perto as investigações, pioneiras no mundo, que têm sido feitas a este animal, ainda rodeado por muitos mitos, ao qual foi atribuído um nome que não faz jus às suas características fascinantes.





A espeleologia, actividade que se situa entre o desporto e a ciência, não tem apenas por objectivo explorar espaços desconhecidos, mas visa contribuir activamente para a descoberta e manutenção da vida selvagem. Como tal, a Associação de Espeleólogos de Sintra, com o financiamento e apoio logístico da Cultursintra, tem conseguido obter informações valiosas no que toca a uma espécie de mamíferos cujo campo de estudos ainda não foi totalmente explorado: os morcegos.

Foi descoberta, em Julho deste ano, nas imediações da Quinta da Regaleira, numa mina de água, uma colónia de uma das espécies deste mamífero, que se pensava extinta há 19 anos, cuja última aparição tinha sido nas grutas da Assafora: os morcegos-de-ferradura- mediterrânico.

A colónia, desta espécie que se encontra “criticamente em perigo”, é a que apresenta um maior número de morcegos da espécie, conhecido em todo o país, com cerca de 250 indivíduos. Sendo muito sensível à exposição e não tão versátil como, por exemplo, o morcego-de-ferradura-pequeno - extensamente estudado pela associação, pois é uma das 12 espécies que habita o território da Quinta - não é difícil suspeitar que a constante actividade nas grutas onde se encontravam, por parte de grupos de escuteiros e visitantes esporádicos, tenha sido a causa do desaparecimento da colónia. E é por isso que é de vital importância que sejam acompanhados de perto, para que se possam prevenir futuros desaparecimentos e travar a sua extinção.



Investigação pioneira
O Jornal de Sintra esteve na Quinta da Regaleira com o presidente da comissão científica da Federação Portuguesa de Espeleologia e responsável pela investigação sobre morcegos na Quinta, Gabriel Mendes, e o administrador- delegado da Cultursintra (gestora da espaço), João Cruz Alves, e observou de perto a investigação na área dos quirópteros (comummente chamados de morcegos) que tem sido feita nos dois morcegários onde são monitorizadas colónias da espécie ferradura-pequeno.

De acordo com Gabriel Mendes, os principais objectivos são “albergar a colónia, investigar para conhecer melhor e ajudar e desenvolver uma parte didáctica, tanto para o grande público como para o público especializado”.

O projecto científico de investigação dos quirópteros tem sido pioneiro, na medida em que muitas das descobertas feitas são únicas no mundo. A construção do primeiro morcegário, desenvolvido a partir de estruturas já existentes, permitiu a criação de um segundo, de raiz, pois uma das metas iniciais prendia-se com “procurar tirar conclusões que pudessem ser extrapoladas para a criação de abrigos alternativos sempre que houvesse conflito entre o património edificado e a vida animal”, explicou João Cruz Alves.


O morcegário na Quinta da Regaleira


No primeiro abrigo de morcegos foram criadas condições favoráveis que permitiram que os quirópteros se fixassem para que pudessem ser monitorizados e estudados no sentido de perceber os seus hábitos e também as razões do seu crescente desaparecimento.

Todos os funcionários da Cultursintra estão sensibilizados quanto a esta questão e foi graças a isso que foi descoberta a colónia de morcegos-de-ferradura-mediterrânico, no território gerido pela fundação e que a Associação de Espeleólogos de Sintra foi alertada.

“O património ambiental é tão importante como o cultural, histórico e arquitectónico” e há a “percepção de que o território da Quinta tem uma enorme biodiversidade”, ressaltou o responsável da Cultursintra.

É nesse sentido, que se têm realizado vários eventos relacionados com os quirópteros, como a “XIII Noite Europeia dos Morcegos”, no dia 20 de Junho e o lançamento do primeiro projecto de recuperação de morcegos, a par da constante monitorização das colónias que habitam os morcegários, e várias outras iniciativas ligadas à defesa ambiental.

Um animal incompreendido
O nome “morcego” significa “rato cego”, explicou Gabriel Mendes, o que “é um erro, porque eles não são nem um nem outro”.

A designação científica é “quiróptero”, que significa “mão com asas” e que explica a estrutura do esqueleto, “idêntica à de um paraplégico, com os membros inferiores atrofiados e os superiores muito desenvolvidos” e os dedos envolvidos por membranas a que chamamos de asas.

Rodeado por falsos mitos, como a associação aos vampiros da literatura e dos filmes (em 1000 espécies, apenas 3 são sugadoras de sangue de animais) ou o facto de gostarem de “passear pelos cabelos das pessoas e morder”, este é um mamífero discreto, que prefere passar despercebido. “Tomara eles que não os chateássemos”, rematou o responsável.

Os quirópteros habitam o planeta há perto de 60 milhões de anos sendo que, ao estudar o comportamento deste animal podemos “atestar a qualidade ambiental”, bem como perceber a evolução do planeta. Além disso, este mamífero influenciou o desenvolvimento tecnológico do homem, que se inspirou na sua complexa forma de caçar de noite para criar sonares, radares de velocidade, ecografias, entre outros. Mesmo os que são mais temidos, os chamados “morcegos- vampiro”, têm sido de enorme importância no estudo das doenças cardiovasculares, graças às suas propriedades anticoagulantes.

Os morcegos são, assim, um animal “extraordinário”, rodeado por conceitos que precisam de ser desmistificados e que necessita de ser protegido.

texto e foto do morcegário: Vanessa Sena Sousa
fotos dos morcegos: Pedro Cardoso

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