Crónica TV

Aliviado, com uma ajudinha de Saramago

Estava convencido que, nesta história que se arrasta há meses, nos Estados Unidos, sobre a reforma da saúde e dos seguros e de que todos os dias temos notícias nas TV’s, era eu que não estava a perceber coisa nenhuma. Isto é: quando Barack Obama anunciou que ia mudar o estado de coisas vigente e segundo o qual apenas os cidadãos que tivessem um seguro particular de saúde eram tratados nos hospitais, pensei que a medida ia ser bem recebida. Afinal de contas, são 46 milhões de americanos – qualquer coisa como 1 em cada 5 – que estão fora desse sistema e o problema deu, inclusivamente, origem a um filme com Denzel Washington, “John Q”.

Para alívio da ideia que já fazia do meu QI, eis que descubro um post no blog de José Saramago, o seu famoso “Caderno”. E aí, numa coisa escrita em finais de Agosto, descubro o seguinte: “Quando Barack Obama, no calor da campanha para a presidência, anunciou uma reforma sanitária que permitisse proteger os 46 milhões de norte-americanos não abrangidos pelo sistema em vigor para os restantes, isto é, aqueles que, directa ou indirectamente, pagam os seguros respectivos, esperávamos que uma onda de entusiasmo varresse os Estados Unidos. Tal não sucedeu e hoje sabemos porquê. Mal se iniciaram os trâmites que levarão (levarão?) ao estabelecimento da reforma, o dragão despertou. Como escreveu Augusto Monterroso: o dinossauro ainda estava ali. Não foram só as cinquenta companhias de seguros norte-americanas que controlam o actual sistema a abrir fogo contra o projecto, fê-lo também a totalidade dos senadores e deputados republicanos, e igualmente um apreciável número de representantes democratas, quer no congresso quer no senado. Nunca como neste caso a filosofia prática dos Estados Unidos esteve tão à vista: se não és rico, a culpa é tua. São 46 milhões os norte-americanos que não têm cobertura sanitária, 46 milhões de pessoas que não têm dinheiro para pagar seguros, 46 milhões de pobres que, pelos vistos, não têm onde cair mortos. Quantos Barack Obama ainda vão ser necessários para que o escândalo termine?” Não estou só, portanto.

Houve eleições outra vez. Diferentes, mas com as comunicações do costume. Isto é, com excepção do Bloco de Esquerda, que admitiu não ter conseguido atingir os objectivos traçados, toda a gente ganhou. Uns porque subiram votos, outros porque ganharam câmaras e outros ainda porque aumentaram os votos e não ganharam as câmaras. Ah, estou a esquecer-me de Santana Lopes! Ele lá admitiu a derrota frente a António Costa – mas prontamente apontou as causas, nem mais nem menos do que o desvio de votos da CDU e do BE para Costa e, passo a citar, “a vergonha que foram as sondagens”. Isto é, Santana Lopes queria que as sondagens fossem uma ciência exacta; que as sondagens (que são feitas dias antes de serem publicadas) reflectissem até à centésima o número exacto final. Esquece-se Santana que quando se fazem sondagens (e tomemos aquelas que são feitas em busca de petróleo) nem sempre se descobre o lençol. É preciso furar aqui, um pouco mais ao lado, mais para o outro, etc. E, note-se, nas sondagens de petróleo há instrumentos que dizem onde se parece concentrar o lençol: e nem assim lá chegam à primeira. O que me parece é que os políticos em geral gostariam mais de poder confiar nessa coisa volátil que são as sondagens, do que nos seus próprios programas e ideias. E calam os últimos dando preferência às primeiras. Parece-me que há aqui qualquer coisa que não está certa.

Há 10 anos escrevia
«Esta semana foi também palco de outras coisas: a selecção nacional de futebol jogou (e bem) e classificouse para o Euro 2000, no dia seguinte houve eleições e tudo ficou como dantes, com toda a gente a averbar grandes vitórias, como é costume – como dizia um escritor espanhol (dizem uns: outros que se trata de um desconhecido e outros ainda que não é espanhol mas sim Shakespeare), “en la vida nada es verdad, nada es mentira, todo depiende del cristal con que se mira” –, mas com a grande diferença do Bloco de Esquerda ter eleito dois deputados e, portanto, ter torpedeado as pretensões do Partido Socialista a uma maioria absoluta – ao contrário do que, ridiculamente, pretende Paulo Portas.»

António Pessoa

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