Crónica TV

A importância de se chamar Ricardo

Por uma vez vou pedir aos meus pacientes leitores que façam um pequeno exercício. Que parem aqui e saltem para a caixinha final. Aí, far-me-ão a esmola de ler os dois primeiros períodos, até a “mas não o meu”. Já está? Perfeito. E porquê este obrigar os leitores a este exercício de pernas para o ar? Simples: como se percebe, Fátima Lopes, decorridos que foram dez anos, não mudou grande coisa nos seus programas, isto é, não inovou. E mais: não só não inovou nada como, por mais incrível que pareça para uma fórmula daquelas, até arranjou seguidoras – a mais notória das quais é Júlia Pinheiro, na TVI. E a questão resume-se mais ou menos a isto: já que não inovamos, vamos ver quem faz pior, sendo que “fazer pior” é descobrir o tal marido que me engana e/ou me bate e/ou maltrata os filhos do meu primeiro casamento – mas descobrir aquele que engana, bate e maltrata mais. E quem diz isso, diz outras vilanias semelhantes.

E nesta guerra de audiências durante as tardes, tenho aqui em casa, uma vez por semana, um barómetro. A minha empregada, que tem o 12.º ano e não é nada tola, não perdoa: e, entre as duas, pede-me sempre se pode mudar de canal para ver Júlia Pinheiro, porque “aquela mulher é um espectáculo”. Acredita também (e aí receio que esteja enganada) que D. Júlia resolve todos aqueles casos. Ela será talvez o paradigma das pessoas que acreditam que a televisão tudo pode, tudo resolve, para tudo tem uma solução, assim do pé para a mão. Julgo que a Anastácia (é esse o seu nome, imperial) vai ter de descobrir que só o trabalho de cada um dá frutos: mesmo que seja o de denunciar o marido (a mulher?) que agride e maltrata os filhos. O que não é o seu caso.

Termina na noite desta sexta-feira o programa dos Gato Fedorento que, durante um pouco mais de um mês, esmiuçou sufrágios e outras minudências. Para além de ter revelado de forma claríssima e inegável o papel preponderante que Ricardo Araújo Pereira tem naquele quarteto, o programa veio demonstrar o impacto e importância que o grupo tem a diversos níveis. Quer dizer: não é um qualquer que consegue trazer até à televisão (e, eventualmente, sujeitá-las a alguns dissabores e perguntas embaraçosas, para não dizer mesmo vexames) trinta personalidades do mundo da política, mais ou menos activas. Acho que isto diz muito acerca do grupo: possivelmente, quem não aceitasse, seria ainda mais arrasado…

Já aqui o disse uma vez: os Gato Fedorento não gostam muito de trabalhar – mas também, quem gosta? Mas eles são preguiçosos no sentido de que gostaríamos de os ver mais vezes, e eles invocam anos sabáticos – ano após ano. Basta ver: o último programa tinha uns 45 minutos, este tem metade. Trabalhar, devem eles pensar, é bom para os outros, nós fazemos o que nos apetece. Para mais, têm a apoiá-los nesta decisão o facto de fazerem publicidade. Não contribui lá grande coisa para a nossa alegria, mas para os seus bolsos é uma mina. Daí os anos sabáticos, ano sim, ano sim.

O não gostarem de trabalhar é natural, já o dizia Agostinho da Silva. Mas que isso não leve a excessos. E quando falo de excessos refiro-me ao facto de, não poucas vezes, Ricardo Araújo Pereira utilizar em televisão as graçolas que já usou na sua crónica semanal para a “Visão”. E isso já não me parece tão bem. O que não será, obviamente, razão para não ver o programa desta noite.

Há 10 anos escrevia
«(…) “Fátima Lopes”, apresentado pela própria. Julgo que Fátima tem algum público, mas a mim não me convence: aquele esquema de “o meu marido engana-me e/ou bate-me e/ou maltrata os filhos do meu primeiro casamento” fará o género das leitoras da “Maria” – mas não o meu. Antes de chegar ao “Jornal da Noite”, a SIC faz uma violenta barragem de fogo e apresenta duas novelas duas brasileiras. Não esqueçamos a TVI que, desde que abre, apresenta desenhos animados, novela brasileira, novela brasileira, jornal, novela brasileira, novela venezuelana e novela brasileira de novo. Só depois, às quatro da tarde, aparece um dos programas de sucesso da estação, o “Batatoon”.»

António Pessoa

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