Júri dos Ídolos com pés de barro
Convenhamos que é difícil entender um concurso que tem um júri – e em que os elementos que o compõem não se entendem. É evidente que um júri é humano, que pode ceder à tentação de deixar passar uma concorrente mais atraente: isso compreende-se, embora com alguma dificuldade. O que não se entende são outras coisas mais explícitas. Ponhamos aqui um ponto de ordem. Estou a falar do programa “Ídolos”, que passa na SIC aos domingos. O júri é composto por quatro elementos, aos quais preside Manuel Moura Santos, cuja actividade é ser agente de diversos artistas, entre os quais Rui Veloso, mas daí a ser capaz de entender de vozes e afinações e tudo o resto, vai um passo muito grande; outra (que também nisto convém haver alguma paridade), é a organizadora do Rock in Rio, não para atestar se os grupos que por lá passam são afinadinhos mas, está bom de ver, para lhes assinar os cheques; outro elemento do júri é Boucherie Mendes, que foi até há pouco tempo atrás director de uma revista masculina – daí, talvez, os olhares que lança a algumas concorrentes; e resta Laurent Filipe, o único que é músico e que deve, portanto, perceber alguma coisa da poda.
Depois, nesta fase já mais selectiva do programa, e que aconteceu domingo passado, sucedeu esta coisa fantástica (não uma vez, episodicamente, mas diversas): um elemento do júri dizer coisas do género “Mas tu vieste cá fazer o mesmo ou pior do que na primeira fase?!? Por amor de Deus!” E depois, com o maior desplante, como se nãotivessem pronunciado a frase anterior, passam o concorrente a quem se tinham dirigido… Como é possível que o público entenda isto sem pestanejar, sem pensar “já não devo estar a ouvir bem, o melhor é ir-me deitar, que o meu mal deve ser sono”? Houve, neste domingo, concorrentes que foram muito mauzinhos – e que passaram. Como? Porquê? Isto devia ser uma coisa lógica, que fosse perfeitamente perceptível a quem vê: que quem visse, ouvisse os comentários do júri e pensasse “Estou a ver onde eles querem chegar: este(a) foi mais desafinado(a) do que da outra vez, merece ir para casa repensar a carreira e a vida”. Nada disto se passa ali. Mas eu imagino o que aconteceu. O concurso está definido, tem uma final marcada, antes disso meias-finais, etc. Se o júri fosse mandar para casa todos aqueles que achou maus este domingo, o programa acabava dentro de uma ou duas semanas. E isso não convinha: há patrocínios, publicidades…
Com uma agravante, se é que isto é passível de ter agravante: o programa faz gáudio em mostrar os piores momentos, repetidamente. Os piores são mostrados ad nauseam, o que me parece feio. Eram maus mas pensaram que podiam ter uma oportunidade. Concorreram, portanto. E só pediam, parece-me, que lhes dissessem: “És bom”, “Tens possibilidades” ou “Esquece e dedica-te à pesca”. Isso era ser honesto da parte do júri. Acontece que a realização/produção – ilibo, para já, o júri desta responsabilidade – vai buscar, depois, todos os podres e os mostra e remostra, como se esse fosse o ponto alto do programa. E isso já me parece feio. Assim a modos como quem ri de uma deformidade – que, aqui, nem sequer o é, trata-se apenas de uma falta de talento. Caramba!, e desde quando é que toda a gente tem de ter talento para não ser gozada? Quando é que foi publicada essa lei?
O que me deixa incomodado é que uns, digamo-lo então assim, têm deformidades e são excluídos, enquanto outros têm defeitos, reiteraram nesses defeitos… e passaram à fase seguinte. E deixa-me incomodado porque não percebo. E quando um concurso – porque é um concurso : tem prémio e tudo – me deixa incomodado é porque alguma coisa não muito clara se passa por ali. E este é tudo menos claro.
Há 10 anos escrevia
«Aqui faço uma pausa, respiro fundo e falo de Carla de Carvalho, pela voz de quem me chegam, todas as manhãs, as primeiras notícias. Em relação a ela poderia dizer, como escreveu Pessoa, “do Oriente de onde vem tudo”, porque de facto a estação fica ali para os lados da Gare do Oriente. Mas deveria também dizer, como Pessoa, “vem, sereníssima”, porque esse é o seu ar, a sua profissão (de fé?) diária, a sua forma de estar. Ali está o exemplo acabado de uma profissional que eu respeito, com a enorme diferença de idades que nos separa – e que certamente daria para que pudesse ser seu pai. As notícias pela sua boca ganham credibilidade, sentem-se como certas e a sério, e isso faz um canal. Tal como Larry King é o rosto da CNN, não tenho dúvidas que Carla de Carvalho seja o rosto das notícias do CNL. E quem foi que veio a Sintra, ver e falar das obras de restauração do “Laurence’s”? Ela, claro.»
António Pessoa
Convenhamos que é difícil entender um concurso que tem um júri – e em que os elementos que o compõem não se entendem. É evidente que um júri é humano, que pode ceder à tentação de deixar passar uma concorrente mais atraente: isso compreende-se, embora com alguma dificuldade. O que não se entende são outras coisas mais explícitas. Ponhamos aqui um ponto de ordem. Estou a falar do programa “Ídolos”, que passa na SIC aos domingos. O júri é composto por quatro elementos, aos quais preside Manuel Moura Santos, cuja actividade é ser agente de diversos artistas, entre os quais Rui Veloso, mas daí a ser capaz de entender de vozes e afinações e tudo o resto, vai um passo muito grande; outra (que também nisto convém haver alguma paridade), é a organizadora do Rock in Rio, não para atestar se os grupos que por lá passam são afinadinhos mas, está bom de ver, para lhes assinar os cheques; outro elemento do júri é Boucherie Mendes, que foi até há pouco tempo atrás director de uma revista masculina – daí, talvez, os olhares que lança a algumas concorrentes; e resta Laurent Filipe, o único que é músico e que deve, portanto, perceber alguma coisa da poda.
Depois, nesta fase já mais selectiva do programa, e que aconteceu domingo passado, sucedeu esta coisa fantástica (não uma vez, episodicamente, mas diversas): um elemento do júri dizer coisas do género “Mas tu vieste cá fazer o mesmo ou pior do que na primeira fase?!? Por amor de Deus!” E depois, com o maior desplante, como se nãotivessem pronunciado a frase anterior, passam o concorrente a quem se tinham dirigido… Como é possível que o público entenda isto sem pestanejar, sem pensar “já não devo estar a ouvir bem, o melhor é ir-me deitar, que o meu mal deve ser sono”? Houve, neste domingo, concorrentes que foram muito mauzinhos – e que passaram. Como? Porquê? Isto devia ser uma coisa lógica, que fosse perfeitamente perceptível a quem vê: que quem visse, ouvisse os comentários do júri e pensasse “Estou a ver onde eles querem chegar: este(a) foi mais desafinado(a) do que da outra vez, merece ir para casa repensar a carreira e a vida”. Nada disto se passa ali. Mas eu imagino o que aconteceu. O concurso está definido, tem uma final marcada, antes disso meias-finais, etc. Se o júri fosse mandar para casa todos aqueles que achou maus este domingo, o programa acabava dentro de uma ou duas semanas. E isso não convinha: há patrocínios, publicidades…
Com uma agravante, se é que isto é passível de ter agravante: o programa faz gáudio em mostrar os piores momentos, repetidamente. Os piores são mostrados ad nauseam, o que me parece feio. Eram maus mas pensaram que podiam ter uma oportunidade. Concorreram, portanto. E só pediam, parece-me, que lhes dissessem: “És bom”, “Tens possibilidades” ou “Esquece e dedica-te à pesca”. Isso era ser honesto da parte do júri. Acontece que a realização/produção – ilibo, para já, o júri desta responsabilidade – vai buscar, depois, todos os podres e os mostra e remostra, como se esse fosse o ponto alto do programa. E isso já me parece feio. Assim a modos como quem ri de uma deformidade – que, aqui, nem sequer o é, trata-se apenas de uma falta de talento. Caramba!, e desde quando é que toda a gente tem de ter talento para não ser gozada? Quando é que foi publicada essa lei?
O que me deixa incomodado é que uns, digamo-lo então assim, têm deformidades e são excluídos, enquanto outros têm defeitos, reiteraram nesses defeitos… e passaram à fase seguinte. E deixa-me incomodado porque não percebo. E quando um concurso – porque é um concurso : tem prémio e tudo – me deixa incomodado é porque alguma coisa não muito clara se passa por ali. E este é tudo menos claro.
Há 10 anos escrevia
«Aqui faço uma pausa, respiro fundo e falo de Carla de Carvalho, pela voz de quem me chegam, todas as manhãs, as primeiras notícias. Em relação a ela poderia dizer, como escreveu Pessoa, “do Oriente de onde vem tudo”, porque de facto a estação fica ali para os lados da Gare do Oriente. Mas deveria também dizer, como Pessoa, “vem, sereníssima”, porque esse é o seu ar, a sua profissão (de fé?) diária, a sua forma de estar. Ali está o exemplo acabado de uma profissional que eu respeito, com a enorme diferença de idades que nos separa – e que certamente daria para que pudesse ser seu pai. As notícias pela sua boca ganham credibilidade, sentem-se como certas e a sério, e isso faz um canal. Tal como Larry King é o rosto da CNN, não tenho dúvidas que Carla de Carvalho seja o rosto das notícias do CNL. E quem foi que veio a Sintra, ver e falar das obras de restauração do “Laurence’s”? Ela, claro.»
António Pessoa
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