O título podia ser “600”
É ASSIM QUE SE VÊ como o tempo passa. Ainda ontem, parece-me a esta distância, comecei a escrever esta crónica semanal e zás: esta tem o número 600. Foram mais de 12 anos que passaram e durante os quais o país não melhorou nem isto; 12 anos em que a própria televisão conseguiu a façanha de também ela piorar e bastante – basta recordarmos como a SIC dos tempos áureos, aquela SIC conhecida por “vender presidentes como sabonetes”, em que atrás de uma novela vinha outra novela. E basta ver, também, como a fórmula foi adoptada pela TVI para conseguir ter ela, tal como a sua irmã de Carnaxide, um período de luxo em termos de audiências. Mas acredito que o povo acaba sempre, mais tarde ou mais cedo, por escolher o caminho certo. E como a fé é que nos salva, segundo dizem, espero que a crónica número 1000 (ou 1200, o mais tardar) seja exactamente a dar-vos conta disso. Esperança não falta.
LEMBRO-ME MUITO BEM dos diversos “Natal dos Hospitais” a que assisto “há uns milhares de anos”. Era uma coisa discreta, com o patrocínio de uma marca de televisores que espalhava os aparelhos por esses hospitais fora e o contributo dos artistas. Agora não: temos sempre por trás uma série de coisas: uma avestruz mascarada de Lara Croft, uma hipopótamo, um telefonema de valor acrescentado e um pedido de um litro de leite para dar a não sei bem quem. As coisas estão diferentes – e de certeza que não são para melhor.
UMA DAS COISAS BOAS da televisão por cabo é o ter uma programação relativamente pobre, no sentido de que, ao longo das 24 horas do dia, não nos apresenta, por hipótese, 24 programas de uma hora. Repetem-se muito, esses canais, o que pode ser aborrecido para quem não tiver opção de escolha, mas que é bastante útil para quem liga e dá com um programa já quase no fim. É certo e sabido que, mais hora menos hora, mais dia, menos dia, o programinha aí estará de novo no ar. Aconteceu-me isso há uns dias atrás, em que fui apanhado de surpresa, na SIC Notícias, por uma entrevista de Caetano Veloso já na pontinha final. Para além de cantor, Caetano é um homem que participa activamente na vida do seu país e ataca aqueles que acha que deve atacar – como aconteceu mais recente e frequentemente com Lula (com a história, por arrasto, de Dona Canô, de 102 anos, não ter gostado que o filho Caetano Veloso chamasse “analfabeto, cafona e grosseiro” ao presidente brasileiro Lula da Silva e ter feito os impossíveis para lhe pedir desculpa…), mas também com o amigo e companheiro de canções (e só não ministro porque já se demitiu do Ministério da Cultura) Gilberto Gil. Era pena perder um entrevistado assim.
O TELETEXTO DA SIC veio confirmar o que dizia no início do parágrafo anterior: a entrevista ia ser repetida na madrugada seguinte, às 5:10. De posse destes dados programei o meu gravador para as 5:09, não fosse a SIC (ou o diabo) tecê-las. E fui dormir descansado. O pior aconteceu no dia seguinte: a entrevista lá estava, ainda fresquinha mas… com aquele grande aborrecimento de às 5:09 já ter começado. Não faço ideia se muito ou pouco antes: mas já não vi a coisa toda… Fiquei fulo. É que embora seja pouco provável que se tenha dito alguma coisa de muito importante logo a abrir, fica-se sempre na dúvida. Por isso não tenho grande confiança nas televisões. Nunca tive. Nem há 12 anos e, muito provavelmente, menos ainda agora.
HÁ 10 ANOS ESCREVIA
«Para não ficar atrás em matéria de graça, a SIC tem andado a tentar afirmar-se, através de uns sketches de um humor mais do que duvidoso, co
mo sendo a televisão do próximo milénio ou, para usar a expressão exacta, “o futuro mais que perfeito”. Esses sketches foram entregues a uma dupla composta por Ana Lamy (que no primeiro quadro que vi declarava “eu sou boa”, que é coisa que pode ser que seja, mas que vindo da própria nos põe logo de pé atrás) e José Carlos Malato, que é um rapaz práfrentex, daqueles que dizem, como ele o fez noutro desses sketches, “tênhamos”. Fiquei maravilhado com esta televisão futurista – e cheia de pontapés na gramática. Não há-de ser nada, que o grande timoneiro Emídio Rangel depois põe esta malta toda a ferros. Espero eu.»
António Pessoa
É ASSIM QUE SE VÊ como o tempo passa. Ainda ontem, parece-me a esta distância, comecei a escrever esta crónica semanal e zás: esta tem o número 600. Foram mais de 12 anos que passaram e durante os quais o país não melhorou nem isto; 12 anos em que a própria televisão conseguiu a façanha de também ela piorar e bastante – basta recordarmos como a SIC dos tempos áureos, aquela SIC conhecida por “vender presidentes como sabonetes”, em que atrás de uma novela vinha outra novela. E basta ver, também, como a fórmula foi adoptada pela TVI para conseguir ter ela, tal como a sua irmã de Carnaxide, um período de luxo em termos de audiências. Mas acredito que o povo acaba sempre, mais tarde ou mais cedo, por escolher o caminho certo. E como a fé é que nos salva, segundo dizem, espero que a crónica número 1000 (ou 1200, o mais tardar) seja exactamente a dar-vos conta disso. Esperança não falta.
LEMBRO-ME MUITO BEM dos diversos “Natal dos Hospitais” a que assisto “há uns milhares de anos”. Era uma coisa discreta, com o patrocínio de uma marca de televisores que espalhava os aparelhos por esses hospitais fora e o contributo dos artistas. Agora não: temos sempre por trás uma série de coisas: uma avestruz mascarada de Lara Croft, uma hipopótamo, um telefonema de valor acrescentado e um pedido de um litro de leite para dar a não sei bem quem. As coisas estão diferentes – e de certeza que não são para melhor.
UMA DAS COISAS BOAS da televisão por cabo é o ter uma programação relativamente pobre, no sentido de que, ao longo das 24 horas do dia, não nos apresenta, por hipótese, 24 programas de uma hora. Repetem-se muito, esses canais, o que pode ser aborrecido para quem não tiver opção de escolha, mas que é bastante útil para quem liga e dá com um programa já quase no fim. É certo e sabido que, mais hora menos hora, mais dia, menos dia, o programinha aí estará de novo no ar. Aconteceu-me isso há uns dias atrás, em que fui apanhado de surpresa, na SIC Notícias, por uma entrevista de Caetano Veloso já na pontinha final. Para além de cantor, Caetano é um homem que participa activamente na vida do seu país e ataca aqueles que acha que deve atacar – como aconteceu mais recente e frequentemente com Lula (com a história, por arrasto, de Dona Canô, de 102 anos, não ter gostado que o filho Caetano Veloso chamasse “analfabeto, cafona e grosseiro” ao presidente brasileiro Lula da Silva e ter feito os impossíveis para lhe pedir desculpa…), mas também com o amigo e companheiro de canções (e só não ministro porque já se demitiu do Ministério da Cultura) Gilberto Gil. Era pena perder um entrevistado assim.
O TELETEXTO DA SIC veio confirmar o que dizia no início do parágrafo anterior: a entrevista ia ser repetida na madrugada seguinte, às 5:10. De posse destes dados programei o meu gravador para as 5:09, não fosse a SIC (ou o diabo) tecê-las. E fui dormir descansado. O pior aconteceu no dia seguinte: a entrevista lá estava, ainda fresquinha mas… com aquele grande aborrecimento de às 5:09 já ter começado. Não faço ideia se muito ou pouco antes: mas já não vi a coisa toda… Fiquei fulo. É que embora seja pouco provável que se tenha dito alguma coisa de muito importante logo a abrir, fica-se sempre na dúvida. Por isso não tenho grande confiança nas televisões. Nunca tive. Nem há 12 anos e, muito provavelmente, menos ainda agora.
HÁ 10 ANOS ESCREVIA
«Para não ficar atrás em matéria de graça, a SIC tem andado a tentar afirmar-se, através de uns sketches de um humor mais do que duvidoso, co
mo sendo a televisão do próximo milénio ou, para usar a expressão exacta, “o futuro mais que perfeito”. Esses sketches foram entregues a uma dupla composta por Ana Lamy (que no primeiro quadro que vi declarava “eu sou boa”, que é coisa que pode ser que seja, mas que vindo da própria nos põe logo de pé atrás) e José Carlos Malato, que é um rapaz práfrentex, daqueles que dizem, como ele o fez noutro desses sketches, “tênhamos”. Fiquei maravilhado com esta televisão futurista – e cheia de pontapés na gramática. Não há-de ser nada, que o grande timoneiro Emídio Rangel depois põe esta malta toda a ferros. Espero eu.»
António Pessoa
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