Crónica TV


Vamos de férias e é logo isto


Uma pessoa não pode ir de férias descansada, e logo Raul Solnado nos prega a partida de ir, também, de férias permanentes. Embora não o víssemos muito – pelo menos no que diz respeito a televisão, que é o que importa a esta coluna – há registos de filmes, de pequenas coisas. Não que as coisas que Solnado fazia fossem “pequenas”, pelo contrário: mas é que aquilo que as televisões mostraram, no dia em que partiu, foram sempre os mesmos sketches, a guerra de 1908 ou o Fritz do “Zip-Zip”, repetidos ad aeternum, e pouco mais. Foi curto. Não que ele se importe (ou importasse) com isso, mas é quase sempre a mesma coisa. No meio de toda aquela pobreza, salvou-se a RTP, por razões específicas – mas já lá vamos.


Raul não era aquilo que se possa dizer uma presença constante nas televisões. Lembro-me dele em “A Banqueira do Povo”, que a RTP exibiu na primeira metade dos anos 90, e depois de o ver numa novela da TVI, “Ilha dos Amores”, de 2007, em que fazia um pequeníssimo papel de actor convidado, o Dr. Jorge Cabral, mas que lhe deu a possibilidade de se cruzar com a neta, Joana Solnado, no mesmo local de filmagens. Não me lembro se se chegavam a falar, pois ela era aquela jovem que andava sempre fugida de casa, descalça, meio rota, etc… Mas, como sou seguidor mais ou menos fiel da “Praça da Alegria”, lembro-me de que o ano passado ele foi uma daquelas pessoas com quem Serenella Andrade conversava. E, nessa curta entrevista, ele falou do projecto em que estava, na altura, metido: um filme, chamado “América”, realizado por João Nuno Pinto e que tinha a ver com as pessoas de todas as nacionalidades que tinham procurado Portugal como tentativa de futuro. E, depois de muito instado, ele lá confessou qual era o seu papel: falsificador de passaportes… Que mais podia ser, ele que sempre falsificou a tristeza e a transformou numa enorme e saudável gargalhada? Diga-se, só para informação, que tanto quanto sei o filme ainda se encontra em pós-produção.


A RTP, no entanto, fez um documentário, em quatro partes, em que Raul Solnado e Bruno Nogueira passavam em revista o humor em Portugal nos últimos 50 anos. E, oportunamente, começou a transmiti-lo na própria noite da sua morte, com uma rapidez e agilidade que são coisas raras na televisão estatal. Regista-se.


Mas não ficámos por aqui. Também Morais e Castro nos abandonou. Aquele que era um advogado que preferira os palcos aos tribunais, será talvez mais lembrado pelo seu papel de professor na série que fez com Luís Aleluia, “O Menino Tonecas”. Injustamente, claro. Os papéis que desempenhou no teatro são bem maiores do que isso. Tal como o papel que teve como dirigente político tende agora a ser esquecido. É sempre assim, infelizmente.


E finalmente tivemos outra partida, não tão definitiva como as duas anteriores. José Eduardo Moniz saiu da TVI e é agora vice-presidente (ou coisa que o valha) de uma empresa que, curiosamente, tem interesses – e acções… - na SIC. Por enquanto, a TVI segue em ritmo de cruzeiro, isto é, continua com a programação delineada por Moniz. Resta saber se Luís Cunha Velho, que acumulará a título interino a direcção de programas, pretende reciclar algum do lixo tóxico da estação. Mas que não haja grandes esperanças…


Há 10 anos escrevia

«Em termos de televisão, o referendo do povo de Timor- Leste foi um momento alto para as televisões nacionais (…). Foram todas, à sua escala, pequenas CNNs, com a diferença de que, desta vez, não eram apenas os americanos que podiam transmitir em directo, como na Guerra do Golfo. E julgo que só foi pena que os enviados das televisões portuguesas – e elas próprias – não tivessem partilhado os seus tempos de satélite, os seus repórteres, as suas experiências no local. É que me parece que, naqueles dias, não contava nem RTP, nem SIC, nem guerra de audiências: contava Timor, que ia às urnas decidir do seu futuro ao fim de 23 anos de guerra, de perseguição, de terror. E não me esqueço de ver, num dos acordos de paz, José Rodrigues dos Santos a ser filmado (por acaso) pela SIC, a meia distância, e o câmara de Carnaxide desviar rapidamente a sua objectiva. Cooperação, era o que se pretendia. As televisões portuguesas podiam ter ajudado a dar o exemplo.»


António Pessoa


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