Crónica TV

E no entanto, a RTP move-se

Deparo-me, desde há uma semana, com um pequeno programa na RTP 1. Tão pequeno que tem apenas um minuto e que, exactamente por isso, se chama “1 Minuto de Astronomia”. A primeira coisa que me surpreendeu foi ter visto, durante um desses minutos, Nuno Markl a falar de Buracos Negros, Sérgio Godinho de Cometas, ou Francisco Mendes da Via Láctea. E hei-de ver, porque ainda não vi, Carla Chambel a falar de Telescópios e Luís Represas a “dissertar” (como se isso fosse possível num minuto) sobre “O Legado de Galileu”. E isto porquê? Porque estamos em 2009 e se celebra o Ano Internacional da Astronomia, exactamente porque em 1609, há 400 anos, Galileu teve conhecimento de um telescópio que foi oferecido por alto preço ao doge de Veneza. Ao saber que o instrumento era composto de duas lentes num tubo, Galileu construiu um capaz de aumentar três vezes o tamanho aparente de um objecto, depois outro de dez vezes e, por fim, um capaz de aumentar 30 vezes.

Quando Galileu começou as suas observações com o telescópio, começaram a aparecer finalmente argumentos definitivos contra o modelo geocêntrico. Galileu não foi provavelmente o primeiro a utilizar um telescópio para observar os céus, cabendo essa honra provavelmente a Thomas Harriot, na Inglaterra, ou a Simon Marius, na Alemanha. No entanto, Galileu fez evoluir o telescópio até uma ampliação superior a 20 vezes e apresentou os céus no livro Sidereus Nuncius (Mensageiro das Estrelas) de uma forma que nunca antes havia sido vista, fruto de uma observação meticulosa do céu ao longo de muitas noites consecutivas. Galileu conhecia os trabalhos de Kepler, pois foram-lhe enviados pessoalmente, mas em nenhum momento tece qualquer comentário sobre os mesmos. Mas tal como muitos outros copernicianos, também Galileu não quis aceitar órbitas elípticas. Aceitá-lo seria renegar o De Revolutionibus Orbium Coelestium que começa com o teorema “1. O universo é esférico.”, e que diz pouco adiante: “O movimento dos corpos é uniforme, perpétuo e circular ou composto de movimentos circulares.”

O papa sentiu que a aceitação do modelo geocêntrico como ferramenta tinha sido ultrapassada e que muito estava em perigo, e convocou Galileu a Roma para ser julgado, apesar de este se encontrar bastante doente. Após um julgamento longo e atribulado foi condenado a abjurar publicamente das suas ideias e a prisão por tempo indefinido. Os livros de Galileu foram incluídos no Index, censurados e proibidos, mas foram publicados nos Países Baixos, onde o protestantismo tinha já substituído o catolicismo, o que havia tornado a região livre da censura do Santo Ofício. Galileu havia escolhido precisamente a Holanda para executar o experimento com o telescópio que anteriormente construíra. Reza a lenda que, ao sair do tribunal após sua condenação, disse uma frase célebre: “Eppur si muove!”, ou seja, “E no entanto, ela move-se!”, referindo-se à Terra. Galileu consegue comutar a pena de prisão a residência fixa, primeiro no palácio do embaixador do Grão-duque da Toscana em Roma, depois na casa do arcebispo Piccolomini em Siena e mais tarde na sua própria casa de campo em Arcetri.

É assim que uma dúzia de pequenos programas de um minuto, nos fazem voltar 400 anos atrás. E que a RTP, com esses programas (que poderiam, quem sabe, ter irmãos mais velhos em tempo, a explicar tudo o que já não cabe num minuto), se assume, ao menos uma vez, como canal de serviço público de televisão. Desta vez, também a RTP se moveu.

Há 10 anos escrevia «As estreias não ficaram por aqui: Alexandra Lencastre chegou para dizer que “Não És Homem Não És Nada”. Vamos por partes: a Alexandra Lencastre é uma mulher interessante; João Lagarto é um actor péssimo, especialmente em comédias. Resultado: não lhes auguro nada de bom. A sitcom é tola e nem pensem que é com aquilo que combatem o “Médico de Família” – até porque àquela hora, já o “Médico de Família” terminou.»

[A realidade, escrevo-o agora, dez anos depois, viria a demonstrar como eu estava enganado. Como os episódios seguintes provaram, nem a sitcom era tola, nem que João Lagarto era tão mastronço assim. Erros de quem escreve e de quem tenta avaliar uma coisa pelo primeiro episódio. Também o tempo me ensinou isso: a ter mais calma, a esperar um pouco mais. E a série foi uma das melhores desse ano.]


António Pessoa

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