Artigo de Opinião

Recordar Melo Antunes, símbolo
de Abril e da Democracia

Morreu há dez anos Ernesto Melo Antunes, sem dúvida uma das figuras mais marcantes e decisivas no 25 de Abril de 1974 e na fase de consolidação do processo democrático, antes e depois do 25 de Novembro de 1975.

Em boa hora se organizou na Fundação Calouste Gulbenkian um colóquio no qual três de dezenas de personalidades da vida pública portuguesa evocaram aspectos do pensamento e da acção desse militar de grande cultura, excepcional inteligência e invulgar sentido estratégico que introduziu factores de equilíbrio nos processos de decisão político-militares, evitando, nomeadamente, dinâmicas de radicalização que poderiam ter conduzido à eclosão de uma guerra civil em finais de 1975.

Melo Antunes foi um dos muito poucos militares que se envolveram activamente no combate contra a ditadura, tendo mesmo chegado a ser candidato nas listas da CDE em 1969. Com um papel fundamental no Movimento dos Capitães, foi a figura central na elaboração do Programa do MFA, aprovado na reunião efectuada em Cascais em 5 de Março de 1974, que contou com a participação de cerca de 200 oficiais. Mas foi ele, também, quem redigiu, em 1975, o Documento dos Nove, o que não o impediu, logo após o 25 de Novembro, de salientar que a normalidade da vida democrática não poderia ser alcançada com a exclusão dos comunistas, o que fez com que fosse alvo das mais violentas críticas e ataques da direita militar e civil, tendo chegado a correr mesmo sérios riscos por ter assumido essa posição frente às câmaras da RTP. Por ser um homem de consensos e equilíbrios, um intelectual da política e uma figura de grande prestígio nacional e internacional nunca deixou de fazer ouvir a sua voz nos momentos cruciais do processo de mudança iniciado em 25 de Abril de 1974.

Membro da Comissão Coordenadora do MFA, Conselheiro de Estado e ministro em quatro governos provisórios, Ernesto Melo Antunes poderia ter sido secretário-geral da UNESCO se o Governo português tivesse apoiado a sua candidatura, quando era Primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva. Faltoulhe esse apoio fundamental, do mesmo modo que o actual Presidente da República não quis estar presente no colóquio da Gulbenbian, que, no entanto, contou com a presença dos ex-presidentes Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio. Há ausências que só os próprios podem e devem explicar. De Melo Antunes disse Vasco Lourenço que “é um dos pais da democracia”, e não podia ter sido mais justo no modo de definir a importância do seu contributo. Recordo o militar e político agora evocado e homenageado já na fase de debilidade física provocada pela doença que o vitimou, mas que não lhe retirou, até ao final, a lucidez e o brilho da memória e da inteligência. Também não esqueço o oficial discreto, reservado e determinado que conheci na redacção do jornal “República”, antes do 25 de Abril, e que me foi apresentado por Álvaro Guerra. Não tardei a perceber o papel que este homem de qualidades invulgares iria desempenhar na nossa História contemporânea. Por isso o recordo sempre com saudade e admiração.



José Jorge Letria

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