Passaram, como se sabe, dez anos sobre a morte de Amália Rodrigues o que deu lugar a grandes maratonas televisivas. Todas as estações de televisão, em qualquer parte do mundo, são “animais” essencialmente necrófagos, e uma Morte (ou um aniversário, é igual) é uma coisa que não ignoram – sobretudo se tiver esta dimensão nacional. Depois, fazem-se duas coisas: trazem-se convidados ao estúdio e mostra-se o que há em arquivo. Os convidados que vimos desfilaram por quase todos os canais de televisão e, em matéria de arquivo, as coisas estiveram bem pior para uns, mas substancialmente melhores para outros. É óbvio que correu melhor para os diversos canais da televisão pública que, por dever e também por ser mais antiga, tinha mais para mostrar: daí que se tivesse podido dar ao luxo de fazer uma maratona na RTP Memória – local apropriado, de resto – que teve início às cinco da manhã.
O maior de todos os problemas, no entanto, foi que todos os canais se associaram, em menor ou maior escala, como já disse, ao evento: do que resultou que quem quisesse ver uma qualquer outra coisinha de diferente… não podia. Vá lá, salvaram-se os Gato Fedorento, que deixaram a efeméride sossegada: mas até o próprio Telejornal da RTP fez o malabarismo (ou mabalarismo, já nem sei, depois de ouvir falar a Dra. Ferreira Leite) de ter uma fadista, Ana Moura, em directo a fechar o serviço noticioso. E tudo isto para se comprovar, mais uma vez – e como se esta vez fosse necessária para isso – que neste país só tem homenagens quem já morreu. E mesmo assim, nem todos: veja-se a modéstia das notícias da morte de Jorge de Sena e a penúria de informações quando os seus restos mortais regressaram a Portugal…
E neste mesmo tom: passam hoje 42 anos sobre o assassínio de Che Guevara, médico e revolucionário, escritor e idealista, o homem que disse “Os poderosos podem matar uma, duas ou até três rosas, mas nunca deterão a Primavera” ou “Os nossos filhos devem possuir as mesmas coisas que as outras crianças, mas eles devem também ser privados daquilo que falta às outras crianças”. Foi assassinado por militares bolivianos mas, ao longo destas quatro décadas, a sua biografia foi reescrita muitas vezes, sobretudo por programas de televisão norte-americanos, que dele tentaram dar a ideia não de médico, não de revolucionário, nem de escritor ou idealista, mas tão-só a de um carniceiro feroz e sedento de sangue. Já estamos acostumados a estes processos. Que fuzilou, até, companheiros seus: naturalmente. Os que estavam a seu lado para servir Fulgencio Batista. Porque, quando os Estados Unidos (que ainda não o eram) se levantaram contra os donos da colónia, os britânicos, tudo se passou de forma polida e sem atropelos. E, sobretudo, sem fuzilarem traidores…
Em forma de PS (salvo seja): porque a caixinha que se segue me pareceu importante, recupero aqui um outro excerto de há dez anos. Assim: “Esta foi também a semana em que Portugal foi escolhido para realizar o Euro 2004. Este tipo de coisas, em que temos de depender das decisões de outros, é algo a que não estamos muito habituados – ou estamos, mas pela negativa. As televisões mostraram tudo, menos aquilo que parece ter sido decisivo: o discurso de Carlos Cruz, que muitos classificaram de “comovente”. Não deveríamos ter visto também essa parte? Ou é segredo, aquilo que Carlos Cruz disse à UEFA?”
Há 10 anos escrevia
«Como talvez suponham, isto de escrever sobre televisão não é coisa fácil – e está cada vez mais difícil. Chegou-me uma (má) notícia, trazida por um amigo, que vem dar mais peso a essa ideia: a de que a zona da crítica de televisão, progressivamente mais pobre nos últimos anos, o estava ainda mais. A baixa que se registara desta vez, fora de peso: tratava-se de um homem respeitado no sector (e também na zona do cinema), Jorge Leitão Ramos, e de um semanário de grande expansão nacional, o “Expresso”. Não, ao que parece, a crítica de televisão não acaba no jornal de Pinto Balsemão – só acaba Leitão Ramos. E porquê?, perguntar-se-á. Tanto quanto é conhecido, parece que Jorge Leitão Ramos terá cometido a “imprudência” de, no jornal de Balsemão, se ter expressado contra a SIC. Encontrou-lhe defeitos, como todos nós. E então? Pois foi quanto bastou.»
António Pessoa
O maior de todos os problemas, no entanto, foi que todos os canais se associaram, em menor ou maior escala, como já disse, ao evento: do que resultou que quem quisesse ver uma qualquer outra coisinha de diferente… não podia. Vá lá, salvaram-se os Gato Fedorento, que deixaram a efeméride sossegada: mas até o próprio Telejornal da RTP fez o malabarismo (ou mabalarismo, já nem sei, depois de ouvir falar a Dra. Ferreira Leite) de ter uma fadista, Ana Moura, em directo a fechar o serviço noticioso. E tudo isto para se comprovar, mais uma vez – e como se esta vez fosse necessária para isso – que neste país só tem homenagens quem já morreu. E mesmo assim, nem todos: veja-se a modéstia das notícias da morte de Jorge de Sena e a penúria de informações quando os seus restos mortais regressaram a Portugal…
E neste mesmo tom: passam hoje 42 anos sobre o assassínio de Che Guevara, médico e revolucionário, escritor e idealista, o homem que disse “Os poderosos podem matar uma, duas ou até três rosas, mas nunca deterão a Primavera” ou “Os nossos filhos devem possuir as mesmas coisas que as outras crianças, mas eles devem também ser privados daquilo que falta às outras crianças”. Foi assassinado por militares bolivianos mas, ao longo destas quatro décadas, a sua biografia foi reescrita muitas vezes, sobretudo por programas de televisão norte-americanos, que dele tentaram dar a ideia não de médico, não de revolucionário, nem de escritor ou idealista, mas tão-só a de um carniceiro feroz e sedento de sangue. Já estamos acostumados a estes processos. Que fuzilou, até, companheiros seus: naturalmente. Os que estavam a seu lado para servir Fulgencio Batista. Porque, quando os Estados Unidos (que ainda não o eram) se levantaram contra os donos da colónia, os britânicos, tudo se passou de forma polida e sem atropelos. E, sobretudo, sem fuzilarem traidores…
Em forma de PS (salvo seja): porque a caixinha que se segue me pareceu importante, recupero aqui um outro excerto de há dez anos. Assim: “Esta foi também a semana em que Portugal foi escolhido para realizar o Euro 2004. Este tipo de coisas, em que temos de depender das decisões de outros, é algo a que não estamos muito habituados – ou estamos, mas pela negativa. As televisões mostraram tudo, menos aquilo que parece ter sido decisivo: o discurso de Carlos Cruz, que muitos classificaram de “comovente”. Não deveríamos ter visto também essa parte? Ou é segredo, aquilo que Carlos Cruz disse à UEFA?”
Há 10 anos escrevia
«Como talvez suponham, isto de escrever sobre televisão não é coisa fácil – e está cada vez mais difícil. Chegou-me uma (má) notícia, trazida por um amigo, que vem dar mais peso a essa ideia: a de que a zona da crítica de televisão, progressivamente mais pobre nos últimos anos, o estava ainda mais. A baixa que se registara desta vez, fora de peso: tratava-se de um homem respeitado no sector (e também na zona do cinema), Jorge Leitão Ramos, e de um semanário de grande expansão nacional, o “Expresso”. Não, ao que parece, a crítica de televisão não acaba no jornal de Pinto Balsemão – só acaba Leitão Ramos. E porquê?, perguntar-se-á. Tanto quanto é conhecido, parece que Jorge Leitão Ramos terá cometido a “imprudência” de, no jornal de Balsemão, se ter expressado contra a SIC. Encontrou-lhe defeitos, como todos nós. E então? Pois foi quanto bastou.»
António Pessoa
Sem comentários:
Enviar um comentário