Lisboa

Ladislau Dowbor conferencia em Lisboa

“Economia tem esquecido as pessoas”

Interpelações de Ladislau Dowbor por uma “democracia económica”

As questões ambientais “ainda não foram transformadas em problemas urgentes” e nota-se “uma certa inércia nestas decisões” – alertou Ladislau Dowbor, professor de Economia na Universidade Católica de S. Paulo que proferiu uma conferência, em Lisboa, «Da democracia política à democracia económica». Este atraso na tomada de posições deve-se também “a uma guerra de informação muito sólida”.

Nesta iniciativa – organizada terça-feira pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) – o economista pediu que sejam introduzidos nas reflexões “os impactos estruturais de longo prazo”. “Gerimos tecnologias extremamente poderosas com capacidades políticas extremamente precárias” – realça o conferencista. A economia está a desenvolver-se “não em função das pessoas, mas em função dos meios e dos grandes instrumentos (bancos, grandes empresas). Junto da evolução tecnológica “visualizamos os rios cheios de esgotos” – lamentou Ladislau Dowbor. Os recursos “não são utilizados em função das prioridades” e “venderam-nos o slogan que o mercado resolve”.

O Produto Interno Bruto (PIB) mede o “fluxo de recursos e não os resultados”. O PIB “não mede se as pessoas estão a viver melhor” – afirmou aos presentes. E acrescenta: “A criminalidade aumenta o PIB porque se constroem prisões e dinamiza as actividades económicas”.

Os 2/3 mais pobres da população mundial consomem “apenas 6% da produção do planeta”. A economia mundial organizou-se em função de 1/3 da população” – denuncia o orador convidado pela CNJP. E acrescenta: “morrem cerca de 10 milhões de crianças por causas ridículas”. Ao fazer referência à atribuição do Prémio Nobel da Economia, Ladislau Dowbor realça que este galardão “não é um Prémio Nobel, não é pago pelo fundo Nobel, mas pelo Banco da Suécia em memória de Alfred Nobel” – explicou. Quase todos estes prémios foram atribuídos a “especialistas em especulação financeira”.

O professor de Economia na Universidade Católica de S. Paulo vê a economia “não como uma ciência, mas um sistema de pactos políticos na sociedade destinados a um objectivo básico que é a qualidade de vida” das populações. A democracia actual tem um “grande ausente: as futuras gerações”. Sem esquecer, “os milhões de pobres do planeta” que também “não têm presença nesta democracia”.

Ao fazer referência às eleições que se realizam nos países democráticos, Ladislau Dowbor pede a criação “de processos decisórios que permitam que os recursos – são da humanidade e não das empresas - sejam utilizados de acordo com as necessidades”. As dinastias do poder político “estão ultrapassadas”, mas as “dinastias do poder económico continuam a vigorar” – afirmou.

A economia académica “está a produzir muito lixo”
No momento das interpelações, José Silva Lopes, que se assumiu como “tecnocrata da economia” partilhou as ansiedades expostas por Ladislau Dowbor. O mundo está a passar pela “pior crise desde 1929”, mas após este flagelo “não acredito que saia um novo paradigma económico-financeiro”. José Silva Lopes adianta também que a economia académica “está a produzir muito lixo”.

Através das teorias económicas chega-se a conclusões, mas “podese dar marteladas nas hipóteses para chegar ao resultado final”. E acentua: “Infelizmente, isto acontece”. A ciência económica está desprovida de “soluções para os problemas económicos que tem” – disse Silva Lopes. Esta “nunca tratou da igualdade a sério”.

Apesar de trabalhar na área económica – “Taxas de Juro e Taxas de Câmbio” –, o economista Silva Lopes mostra-se céptico sobre o futuro. “O PIB continua a ser necessário, mas pode ser corrigido”. E exemplifica: “o trabalho dos voluntários não vale nada para o PIB, mas os milhões dados a um banqueiro aumenta o PIB”.

Neste mundo global, Silva Lopes pede uma regulação da globalização. “Esta foi uma forma que o capitalismo arranjou para escapar às regulações nacionais” – disse. E aponta outras áreas a necessitarem de regulamentos: “ambiental, social e mercados”.

Investigador em ciências económicas, João Rodrigues interpelou o economista de S. Paulo sobre a forma que a globalização assumiu – “nomeadamente na liberdade de circulação de capitais” e a erosão dos direitos sociais. João Rodrigues sublinha que “temos democracia política, economia global e capacidade dos Estados em influenciar o processo económico”. Neste trilema, o economista refere que só podemos ter “dois destes ítens”.

À luz da última encíclica de Bento XVI, «Caridade na Verdade», o investigador pede para que a “economia seja civilizada”. A verdadeira fonte do relativismo moral é a “concepção de um mercado que reduz os valores a preferências individuais suportadas por dinheiro” – conclui João Rodrigues.


Fonte: CCJP

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